quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Lobo trepidante

           Lobisomem de olhos fundos. Vestias camiseta branca, e a mesma calça jeans. Atravessei a rua, e te vi. Que preocupante esse teu olhar azul-cavado-desesperado. Senti-me constrangida pelo teu embaraço, pelo teu desespero de lobo. Também pela velha calça, pelas franjinhas démodé - que faziam o acabamento, encostadas na botina de couro marrom. Não entendi absolutamente nada. O que querias com teu olhar? Antes de fitar-me, tira tua barba, tá grande demais, não consigo te decifrar... O que esperas nessa rodoviária suja? Parece-me que estás aí há muito tempo. Aguardas o ônibus que te levará para onde? Para um lugar melhor, diferente, ou estás retornando?          
          Pregado ereto, de pé, teus olhos nadaram no ar, confundiram-se no azul do céu, e esse, se fez confuso, e também indecifrável. Que poder tens? Pois eu acho que tu aguardas a noite. A noite que não sai de ti, que não te abandona, que não te confunde – já que te misturas a ela.
          Fitaste-me profundamente, intensamente, como quem precisasse daquele olhar, para parar de aguardar a noite que sempre vinha que sempre te puxava para algum lugar escuro, mas não sombrio. Passei perto de ti, não desmagnetizamos nossos olhares, diluídos na sujeira da rodoviária...
          És lobo, e não consegues largar teus instintos ariscos, silvestres, rudes. A noite que aguardas sem mais vontade de aguardar, não é capaz de domesticar-te, tampouco eu. Tira tua barba, peço-te dessa vez sem carinho. Tira isso, homem-lobo! Depois, tira teus olhos do que não te diz nada, que tal se tu olhares pra troposfera? Ela te imerge, presta atenção. E no fim do dia, descansa, reflete o azul dos olhos pra dentro de ti, e te ilumina cintilando sonhos. A noite também não te aguenta mais.

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