terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Digestão prolongando-nos

          Quero dizer-te alguma coisa, mas não sei bem o que. Estou feliz, não sei bem por quê. Transmitir-te-ia essa felicidade, caso conseguisse expressar melhor, entretanto nem sei como. Uma nuvem passou lentamente por cima de mim, há pouco. Como se me abençoasse por algum motivo que não distingo.
          Foi ótimo tomar chuva contigo pelo centro, entrar em lojas, e sentir a amizade que rodeia por toda nossa volta, abençoa-nos há tanto tempo, sem sabermos a razão. Nossos banhos demorados, juntas, depilando-nos, rindo, dançando, sem intenções a não ser a de ficarmos assim – juntas -, por muito tempo. Intimidade que nos faz sorrir, gargalhar e jogar-nos uma sobre a outra, sem motivos, com mil motivos, com saudade, sem distância. Nossos defeitos e limitações são desconsideradas, pra que possamos abraçar-nos novamente, e grunhirmos uma o nome da outra, felizes, corações palpitantes, e certos da amizade que mastigamos, sem querer engolir.          
          Amo-te apesar da distância, da falta de comunicação, das novidades que não compartilhamos e também apesar da tua partida, que se dará daqui um pouco. Alguma nuvem vai te engolir, suavemente, e essa, também me engolirá. Digestão aprazível: nós.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Samba Pingado

Naquela noite o samba rolou
Nossos pés rolavam, escorregavam e se encontravam
Alucinadas,
Gritos de quem samba.
Suadas, cantávamos com os braços pra cima
Pra frente, pro lado, e com as mãos dadas acima da cabeça, girávamos
Naquela noite o samba nos pegou

Mas tinha outro sambista, era teu caso
Insististe, sambei com ele
Foi quando confessaste o ciúme
Sentimos que aquele samba era para nós, e para mais ninguém
Pingamos no ritmo dos pandeiros e dos bumbos

No sol que já iluminava, o samba não parou
Cansadas e satisfeitas
Pedíamos cigarro pra qualquer um
Dormimos suadas do samba que nos pegou
Lavamo-nos sem xampu que lavasse, que levasse o que o samba nos deixou.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Lobo trepidante

           Lobisomem de olhos fundos. Vestias camiseta branca, e a mesma calça jeans. Atravessei a rua, e te vi. Que preocupante esse teu olhar azul-cavado-desesperado. Senti-me constrangida pelo teu embaraço, pelo teu desespero de lobo. Também pela velha calça, pelas franjinhas démodé - que faziam o acabamento, encostadas na botina de couro marrom. Não entendi absolutamente nada. O que querias com teu olhar? Antes de fitar-me, tira tua barba, tá grande demais, não consigo te decifrar... O que esperas nessa rodoviária suja? Parece-me que estás aí há muito tempo. Aguardas o ônibus que te levará para onde? Para um lugar melhor, diferente, ou estás retornando?          
          Pregado ereto, de pé, teus olhos nadaram no ar, confundiram-se no azul do céu, e esse, se fez confuso, e também indecifrável. Que poder tens? Pois eu acho que tu aguardas a noite. A noite que não sai de ti, que não te abandona, que não te confunde – já que te misturas a ela.
          Fitaste-me profundamente, intensamente, como quem precisasse daquele olhar, para parar de aguardar a noite que sempre vinha que sempre te puxava para algum lugar escuro, mas não sombrio. Passei perto de ti, não desmagnetizamos nossos olhares, diluídos na sujeira da rodoviária...
          És lobo, e não consegues largar teus instintos ariscos, silvestres, rudes. A noite que aguardas sem mais vontade de aguardar, não é capaz de domesticar-te, tampouco eu. Tira tua barba, peço-te dessa vez sem carinho. Tira isso, homem-lobo! Depois, tira teus olhos do que não te diz nada, que tal se tu olhares pra troposfera? Ela te imerge, presta atenção. E no fim do dia, descansa, reflete o azul dos olhos pra dentro de ti, e te ilumina cintilando sonhos. A noite também não te aguenta mais.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sede

Não quero mais bocas enganadoras.
Nem as etílicas.
Tampouco aquelas fingidoras,
Fingem satisfazer
(recíproco engano)

Quero a boca que queira mergulhar no profundo de um nós.
Quero a boca que mergulhe em mim, e eu nela
Encontradas, deliciando-se,
recíproco-conquistadoras

A boca que acorde morna procurando-me.
A boca que durma quente, envolvendo-me e sendo envolvida.
Recíprocas palavras
Recíprocas sensações.

Quero a boca que beije intensamente, desejando estar apenas ali, e cada vez mais ali, até que fique cada vez mais aqui, e menos lá.
Quero a boca que não se sinta-se suficiente sendo boca, mas que essa sussurre, que essa abrace, que essa me provoque qualquer coisa parecida com o amor.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Incompletando

Inspirar o lixo do ar
Metabolizar no fundo do que acredito ser capaz de
dissolver
transformar.

Expirar, dissolvida, transformada, e por fim, completada de.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Simetria Refutada

Percebi-me assimétrica, sendo um lado do meu corpo o oposto do outro. Como se uma linha vertical cortasse-o.

ESQUERDO: Ouvia alguma música cósmica. Minha mão, extremamente gelada, em um dia exacerbadamente quente.

DIREITO: Ouvido destampado - escutava o barulho urbano, e a mão – que segurava o cigarro, encontrava-se superaquecida.

O céu retinha bolas de algodão, e quando alguma dessas bolas era varrida pelo vento, descobria-se, então, o calor desumano, desvairado e fúlgido. Enquanto na sombra, deliciosamente, o vento aureolava-me.

Foi então – entre calores febris e auréolas -, que a mão gelada tocou na outra, que estava quente. No instante do contato completo, foi como se instaurado o concerto Primavera (Vivaldi), trocassem bruscamente para a 6ª sinfonia - a trágica - de Mahler.
As diferenças de temperatura, os tecidos, a proximidade, retirando e recebendo calor.  Achei-me atônita e arrepiada: o ilustre encontro entre mãos. Ambas minhas, entretanto, estranha uma à outra.

Coágulos Costurados

Para minha queridíssima e única irmã, Carol.

Aos impulsos e mudanças, sobrevivemos juntas.
      
Nos últimos anos, vivemos transformações drásticas, repentinas - e não por isso menos decisivas-, sobrevivemos a elas, coagulando-nos.
O passado encontra-se exatamente no ponto em que nos encostamos, sem volta.
      
Juntas, choramos a separação e o divórcio daqueles que dividiram seus trechos sanguíneos conosco.
Entre dores e superações, costuramo-nos, uma à outra.
      
É a carga genética, que me aproxima de ti: sentimento de que seremos sempre, imutavelmente, irmãs. Faz-me te amar até que doa.

Indeléveis e conditas, tecemos juntas, sombras aliviadas.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Não falo de algo palpável, mas de algo que encontro na vírgula entre eu, e tu.

Amor, meu grande amor

"Amor, meu grande amor / Só dure o tempo que mereça / E quando me quiser / Que seja de qualquer maneira... / Enquanto me tiver / Que eu seja / O último e o primeiro / E quando eu te encontrar / Meu grande amor / Me reconheça..." (Música "Amor, meu grande amor" - Frejat)

Postarei a seguir, dois textos que encontrei em meus arquivos. Para dois amores antigos, ficam essas palavras escritas no tempo em que vivemos um no outro.

CHARMOSOS OLHOS QUEIMADOS
(Para ser lido ao som de "Come pick me up - Ryan Adams")

Fiz mil planos
Fingi ter idéia do que fazia, fingia não doer deixar-te;
Fingi ser tão racional, fingi pegar nojo de nós
Enquanto isso, minha ausência te acompanhava

É certo, morena, nossos gênios não se dão bem por muito tempo
Enganei-me tão bem, então vivi equívocos, acreditando fossem reais
Eu de fato fiz o que aconteceria de qualquer maneira.
Acertei, em alguns planos, me reencontrei.
Agora sinto a dor, que pisei por muito tempo
Enquanto isso, tua ausência me acompanha.

Naquela noite, teu sorriso revirou meus pensamentos
Teus olhos confusos, queimaram os meus
Tua mente confusa, confundiu-me
Completamente envolvida, te ofereci cafés

Em teus braços hesitantes, me tranqüilizei.
Calma, te arranquei sorrisos
Os beijos, aos poucos se aconchegaram no meu coração
                                       [que há muito, não se fazia confortável

Teu cheiro ficava em minhas roupas,
E, entorpercia-me, já não sinto mais, será que é porque nos afastamos?

Tonteávamos de amores e carinhos...
Não te encontrei ultimamente, em outros lugares.
Tirei o pé,libertei a dor pisada, e por ela fui esmagada.

Não fico mais tonta...
              [será que é porque nos afastamos?

Agora, com dor, com meu coração procurando teus lábios, com sentimentos, com menos extravagâncias, não tenho dúvidas, de que te amei.

Ah, eu estava confusa, tu também.
Entretanto, algo dentro de mim acordou, cheio de disposição, e, juntas, despertamos para dimensões lindas.

Nossos olhos confusos queimaram-nos.

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AMORAMOR
(Para ser lido ao som de "Sea Of Love - Cat Power)

Meu braço envolve tua cintura
(tu, envolvendo-me tanto)

Nosso tempo é cheio de sol e campos, e é uma delícia viver contigo.
Hoje, rolamos na grama, até que caímos uma sobre a outra... foi um transe.
Nossos rostos tocaram-se sorrindo, abraçamo-nos ainda caídas.
Corremos pela grama que gritava de verde, enquanto o céu gritava de azul.
Somos tão jovens, o tempo está ao nosso favor, então, que caminhemos sem pressa.

Em outros olhos, vi meu reflexo contrariado
Nos teus, vejo-me inteira.
Inteira, como estou, nesse exato momento.
Segura forte na minha mão, menina. Não solta. Eu não soltarei enquanto tu não soltares, prometo. Fica aqui, a noite é fria, tu sabes. Preciso do teu sorriso pra me acalmar, pra me envolver, pra te beijar.

Nossa simplicidade é bela e apaixonante.
Tu, envolvendo-me tanto.



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Uvas passas

Comer granola deitada na cama, de luzes apagadas. A decadência sempre me revigorou.

Ontem, tomei champagne direto no gargalo, só de blusa e calcinha. Enquanto isso, minha irmã fritava bolinhos de arroz, de camisetão e toalha na cabeça. Alguma atmosfera inconcebivelmente feliz e desnorteada tomava conta da cozinha. Ríamos como hienas apavoradas e extravagantes.

Minhas unhas seguem descascando com os dias  (acho terrível, quando olho), mas algo em mim, tá descascado também. E faz tempo. De qualquer forma, saborear halls no banho, parece salvar-me da decadência. Alegrias travestidas de insensatez.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Pra fora

Escrevo qualquer palavra
Sentimentos cheios de qualquer coisa.
Olhos confusos me olham pela janela.

Sufoco-me na fumaça do cigarro, e tusso como se pudesse expelir qualquer saliva que expelisse qualquer coisa de dentro que precisasse ser expelida sem que eu soubesse que coisa é essa - que me sufoca que me ferve e que me faz querer digitar rápido pra então ir à janela, cuspir.

Não é exatamente ruim a sensação.
É libertador escarrar ânsias

Deixo-me envolver por ritmos aceleradamente calmos
Fecho os olhos confusos, e trago outro
Descubro que o místico desse tufo líquido está entre a garganta e a ponta da língua.
Engulo o fumo espesso com rijeza
Macio liame!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sorriso só(lido)

(Para ser lido ouvindo “Shine on you crazy diamond (part I-V)” – Pink Floyd, a partir dos 4min e 29seg)

           O céu nublado, misturado com a cafeína que me ferve por dentro: quero saltitar, como um antílope despreocupado com seus predadores.
Sequenciada por uma dose qualquer de loucura, preciso correr até que minhas pernas fiquem pelo caminho, e meu corpo levite - delicado sobre o ar - rápido, veloz, diagonal, sangrento. Até que a última gota aliviada de sangue caia, e em torno de si formem-se gotículas cada vez menores, coloridas de menos vinho, e mais vermelho.
          De noite, tenho planejado – confesso – sair dançando sob os postes de luz queimados.
                                                           
                                                                Expandirei.

         No infinito vesperal, miro astros que confirmem minha solidão – não mais desesperada ou conformada, mas repleta de ventura -, e sorrio baixo, e sorrio quase triste, e sorrio repleta de céu. Enquanto isso, o espaço me carrega para qualquer dimensão de raios purpurados e ventos brancos, brancos.

Invólucro (in)solúvel

Talvez sejam erros mesmo, palavras.
Medo de colocá-las equivocadamente...
Medo de aproximar de ti, és tão sistematicamente embalada nalguma cápsula
Vontade de dissolver-te

Misturo o alfabeto
Misturando-me.
Acerto enfim, as palavras.
Elas me subvertem.

Ditas em excesso,
confusão: a sonoridade me transporta pra qualquer lugar derretido.

A cápsula começa a perder a tinta, mas não a rigidez
(Palavras em excesso, confundem-me)
Abraço pessoas com naturalidade
Entretanto, alguma névoa repulsa te contorna, e não permite meu contato completo
Névoa inferida por mim, ou projetada por ti

As palavras perdem também a tinta, mas essas ficam transparentes - já não posso defini-las.