terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Digestão prolongando-nos

          Quero dizer-te alguma coisa, mas não sei bem o que. Estou feliz, não sei bem por quê. Transmitir-te-ia essa felicidade, caso conseguisse expressar melhor, entretanto nem sei como. Uma nuvem passou lentamente por cima de mim, há pouco. Como se me abençoasse por algum motivo que não distingo.
          Foi ótimo tomar chuva contigo pelo centro, entrar em lojas, e sentir a amizade que rodeia por toda nossa volta, abençoa-nos há tanto tempo, sem sabermos a razão. Nossos banhos demorados, juntas, depilando-nos, rindo, dançando, sem intenções a não ser a de ficarmos assim – juntas -, por muito tempo. Intimidade que nos faz sorrir, gargalhar e jogar-nos uma sobre a outra, sem motivos, com mil motivos, com saudade, sem distância. Nossos defeitos e limitações são desconsideradas, pra que possamos abraçar-nos novamente, e grunhirmos uma o nome da outra, felizes, corações palpitantes, e certos da amizade que mastigamos, sem querer engolir.          
          Amo-te apesar da distância, da falta de comunicação, das novidades que não compartilhamos e também apesar da tua partida, que se dará daqui um pouco. Alguma nuvem vai te engolir, suavemente, e essa, também me engolirá. Digestão aprazível: nós.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Samba Pingado

Naquela noite o samba rolou
Nossos pés rolavam, escorregavam e se encontravam
Alucinadas,
Gritos de quem samba.
Suadas, cantávamos com os braços pra cima
Pra frente, pro lado, e com as mãos dadas acima da cabeça, girávamos
Naquela noite o samba nos pegou

Mas tinha outro sambista, era teu caso
Insististe, sambei com ele
Foi quando confessaste o ciúme
Sentimos que aquele samba era para nós, e para mais ninguém
Pingamos no ritmo dos pandeiros e dos bumbos

No sol que já iluminava, o samba não parou
Cansadas e satisfeitas
Pedíamos cigarro pra qualquer um
Dormimos suadas do samba que nos pegou
Lavamo-nos sem xampu que lavasse, que levasse o que o samba nos deixou.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Lobo trepidante

           Lobisomem de olhos fundos. Vestias camiseta branca, e a mesma calça jeans. Atravessei a rua, e te vi. Que preocupante esse teu olhar azul-cavado-desesperado. Senti-me constrangida pelo teu embaraço, pelo teu desespero de lobo. Também pela velha calça, pelas franjinhas démodé - que faziam o acabamento, encostadas na botina de couro marrom. Não entendi absolutamente nada. O que querias com teu olhar? Antes de fitar-me, tira tua barba, tá grande demais, não consigo te decifrar... O que esperas nessa rodoviária suja? Parece-me que estás aí há muito tempo. Aguardas o ônibus que te levará para onde? Para um lugar melhor, diferente, ou estás retornando?          
          Pregado ereto, de pé, teus olhos nadaram no ar, confundiram-se no azul do céu, e esse, se fez confuso, e também indecifrável. Que poder tens? Pois eu acho que tu aguardas a noite. A noite que não sai de ti, que não te abandona, que não te confunde – já que te misturas a ela.
          Fitaste-me profundamente, intensamente, como quem precisasse daquele olhar, para parar de aguardar a noite que sempre vinha que sempre te puxava para algum lugar escuro, mas não sombrio. Passei perto de ti, não desmagnetizamos nossos olhares, diluídos na sujeira da rodoviária...
          És lobo, e não consegues largar teus instintos ariscos, silvestres, rudes. A noite que aguardas sem mais vontade de aguardar, não é capaz de domesticar-te, tampouco eu. Tira tua barba, peço-te dessa vez sem carinho. Tira isso, homem-lobo! Depois, tira teus olhos do que não te diz nada, que tal se tu olhares pra troposfera? Ela te imerge, presta atenção. E no fim do dia, descansa, reflete o azul dos olhos pra dentro de ti, e te ilumina cintilando sonhos. A noite também não te aguenta mais.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sede

Não quero mais bocas enganadoras.
Nem as etílicas.
Tampouco aquelas fingidoras,
Fingem satisfazer
(recíproco engano)

Quero a boca que queira mergulhar no profundo de um nós.
Quero a boca que mergulhe em mim, e eu nela
Encontradas, deliciando-se,
recíproco-conquistadoras

A boca que acorde morna procurando-me.
A boca que durma quente, envolvendo-me e sendo envolvida.
Recíprocas palavras
Recíprocas sensações.

Quero a boca que beije intensamente, desejando estar apenas ali, e cada vez mais ali, até que fique cada vez mais aqui, e menos lá.
Quero a boca que não se sinta-se suficiente sendo boca, mas que essa sussurre, que essa abrace, que essa me provoque qualquer coisa parecida com o amor.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Incompletando

Inspirar o lixo do ar
Metabolizar no fundo do que acredito ser capaz de
dissolver
transformar.

Expirar, dissolvida, transformada, e por fim, completada de.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Simetria Refutada

Percebi-me assimétrica, sendo um lado do meu corpo o oposto do outro. Como se uma linha vertical cortasse-o.

ESQUERDO: Ouvia alguma música cósmica. Minha mão, extremamente gelada, em um dia exacerbadamente quente.

DIREITO: Ouvido destampado - escutava o barulho urbano, e a mão – que segurava o cigarro, encontrava-se superaquecida.

O céu retinha bolas de algodão, e quando alguma dessas bolas era varrida pelo vento, descobria-se, então, o calor desumano, desvairado e fúlgido. Enquanto na sombra, deliciosamente, o vento aureolava-me.

Foi então – entre calores febris e auréolas -, que a mão gelada tocou na outra, que estava quente. No instante do contato completo, foi como se instaurado o concerto Primavera (Vivaldi), trocassem bruscamente para a 6ª sinfonia - a trágica - de Mahler.
As diferenças de temperatura, os tecidos, a proximidade, retirando e recebendo calor.  Achei-me atônita e arrepiada: o ilustre encontro entre mãos. Ambas minhas, entretanto, estranha uma à outra.

Coágulos Costurados

Para minha queridíssima e única irmã, Carol.

Aos impulsos e mudanças, sobrevivemos juntas.
      
Nos últimos anos, vivemos transformações drásticas, repentinas - e não por isso menos decisivas-, sobrevivemos a elas, coagulando-nos.
O passado encontra-se exatamente no ponto em que nos encostamos, sem volta.
      
Juntas, choramos a separação e o divórcio daqueles que dividiram seus trechos sanguíneos conosco.
Entre dores e superações, costuramo-nos, uma à outra.
      
É a carga genética, que me aproxima de ti: sentimento de que seremos sempre, imutavelmente, irmãs. Faz-me te amar até que doa.

Indeléveis e conditas, tecemos juntas, sombras aliviadas.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Não falo de algo palpável, mas de algo que encontro na vírgula entre eu, e tu.

Amor, meu grande amor

"Amor, meu grande amor / Só dure o tempo que mereça / E quando me quiser / Que seja de qualquer maneira... / Enquanto me tiver / Que eu seja / O último e o primeiro / E quando eu te encontrar / Meu grande amor / Me reconheça..." (Música "Amor, meu grande amor" - Frejat)

Postarei a seguir, dois textos que encontrei em meus arquivos. Para dois amores antigos, ficam essas palavras escritas no tempo em que vivemos um no outro.

CHARMOSOS OLHOS QUEIMADOS
(Para ser lido ao som de "Come pick me up - Ryan Adams")

Fiz mil planos
Fingi ter idéia do que fazia, fingia não doer deixar-te;
Fingi ser tão racional, fingi pegar nojo de nós
Enquanto isso, minha ausência te acompanhava

É certo, morena, nossos gênios não se dão bem por muito tempo
Enganei-me tão bem, então vivi equívocos, acreditando fossem reais
Eu de fato fiz o que aconteceria de qualquer maneira.
Acertei, em alguns planos, me reencontrei.
Agora sinto a dor, que pisei por muito tempo
Enquanto isso, tua ausência me acompanha.

Naquela noite, teu sorriso revirou meus pensamentos
Teus olhos confusos, queimaram os meus
Tua mente confusa, confundiu-me
Completamente envolvida, te ofereci cafés

Em teus braços hesitantes, me tranqüilizei.
Calma, te arranquei sorrisos
Os beijos, aos poucos se aconchegaram no meu coração
                                       [que há muito, não se fazia confortável

Teu cheiro ficava em minhas roupas,
E, entorpercia-me, já não sinto mais, será que é porque nos afastamos?

Tonteávamos de amores e carinhos...
Não te encontrei ultimamente, em outros lugares.
Tirei o pé,libertei a dor pisada, e por ela fui esmagada.

Não fico mais tonta...
              [será que é porque nos afastamos?

Agora, com dor, com meu coração procurando teus lábios, com sentimentos, com menos extravagâncias, não tenho dúvidas, de que te amei.

Ah, eu estava confusa, tu também.
Entretanto, algo dentro de mim acordou, cheio de disposição, e, juntas, despertamos para dimensões lindas.

Nossos olhos confusos queimaram-nos.

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AMORAMOR
(Para ser lido ao som de "Sea Of Love - Cat Power)

Meu braço envolve tua cintura
(tu, envolvendo-me tanto)

Nosso tempo é cheio de sol e campos, e é uma delícia viver contigo.
Hoje, rolamos na grama, até que caímos uma sobre a outra... foi um transe.
Nossos rostos tocaram-se sorrindo, abraçamo-nos ainda caídas.
Corremos pela grama que gritava de verde, enquanto o céu gritava de azul.
Somos tão jovens, o tempo está ao nosso favor, então, que caminhemos sem pressa.

Em outros olhos, vi meu reflexo contrariado
Nos teus, vejo-me inteira.
Inteira, como estou, nesse exato momento.
Segura forte na minha mão, menina. Não solta. Eu não soltarei enquanto tu não soltares, prometo. Fica aqui, a noite é fria, tu sabes. Preciso do teu sorriso pra me acalmar, pra me envolver, pra te beijar.

Nossa simplicidade é bela e apaixonante.
Tu, envolvendo-me tanto.



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Uvas passas

Comer granola deitada na cama, de luzes apagadas. A decadência sempre me revigorou.

Ontem, tomei champagne direto no gargalo, só de blusa e calcinha. Enquanto isso, minha irmã fritava bolinhos de arroz, de camisetão e toalha na cabeça. Alguma atmosfera inconcebivelmente feliz e desnorteada tomava conta da cozinha. Ríamos como hienas apavoradas e extravagantes.

Minhas unhas seguem descascando com os dias  (acho terrível, quando olho), mas algo em mim, tá descascado também. E faz tempo. De qualquer forma, saborear halls no banho, parece salvar-me da decadência. Alegrias travestidas de insensatez.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Pra fora

Escrevo qualquer palavra
Sentimentos cheios de qualquer coisa.
Olhos confusos me olham pela janela.

Sufoco-me na fumaça do cigarro, e tusso como se pudesse expelir qualquer saliva que expelisse qualquer coisa de dentro que precisasse ser expelida sem que eu soubesse que coisa é essa - que me sufoca que me ferve e que me faz querer digitar rápido pra então ir à janela, cuspir.

Não é exatamente ruim a sensação.
É libertador escarrar ânsias

Deixo-me envolver por ritmos aceleradamente calmos
Fecho os olhos confusos, e trago outro
Descubro que o místico desse tufo líquido está entre a garganta e a ponta da língua.
Engulo o fumo espesso com rijeza
Macio liame!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sorriso só(lido)

(Para ser lido ouvindo “Shine on you crazy diamond (part I-V)” – Pink Floyd, a partir dos 4min e 29seg)

           O céu nublado, misturado com a cafeína que me ferve por dentro: quero saltitar, como um antílope despreocupado com seus predadores.
Sequenciada por uma dose qualquer de loucura, preciso correr até que minhas pernas fiquem pelo caminho, e meu corpo levite - delicado sobre o ar - rápido, veloz, diagonal, sangrento. Até que a última gota aliviada de sangue caia, e em torno de si formem-se gotículas cada vez menores, coloridas de menos vinho, e mais vermelho.
          De noite, tenho planejado – confesso – sair dançando sob os postes de luz queimados.
                                                           
                                                                Expandirei.

         No infinito vesperal, miro astros que confirmem minha solidão – não mais desesperada ou conformada, mas repleta de ventura -, e sorrio baixo, e sorrio quase triste, e sorrio repleta de céu. Enquanto isso, o espaço me carrega para qualquer dimensão de raios purpurados e ventos brancos, brancos.

Invólucro (in)solúvel

Talvez sejam erros mesmo, palavras.
Medo de colocá-las equivocadamente...
Medo de aproximar de ti, és tão sistematicamente embalada nalguma cápsula
Vontade de dissolver-te

Misturo o alfabeto
Misturando-me.
Acerto enfim, as palavras.
Elas me subvertem.

Ditas em excesso,
confusão: a sonoridade me transporta pra qualquer lugar derretido.

A cápsula começa a perder a tinta, mas não a rigidez
(Palavras em excesso, confundem-me)
Abraço pessoas com naturalidade
Entretanto, alguma névoa repulsa te contorna, e não permite meu contato completo
Névoa inferida por mim, ou projetada por ti

As palavras perdem também a tinta, mas essas ficam transparentes - já não posso defini-las.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Propensa

Na curva do meu ombro não há ninguém descansando.
Forçado encontro
Comigo

Atravesso dias como quem desvia de uma poça e pisa noutra.
Desvio
Deparo
Camuflo-me como quem desvia de uma poça e pisa noutra.
(forçado encontro)

Desenvolvo diálogos, na pretensão de afastar-me.
Percebo-me, então
Seduzida por minhas próprias palavras diminutas
E pela – proposital - falta de pontuação.

Mas.
À noite,
A camuflagem não me satisfaz.
Não encontro poças para evitar
Nem diálogos convincentes.

Mergulho, então, nua
Revelada
Sem forças para fugas
Lentamente, intensos vínculos diluem minha solidez.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

"Silêncio de resposta e sangue ainda
os vidros soltos sobre a cara
mesmo sem saber que retornamos
saibamos que o espelho que desaba
fere e contunde a nossa cara."
(Ana C.C.)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

bolhas coloridas fritando no amarelo do óleo azul.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Até então

Até então, um dia normal. Acordei tarde, não conseguia abrir os olhos, não conseguia fazer nada, até que tomei duas xícaras de café. Entre uma xícara e outra, decidi massacrar a sonolência e optar pela vida. Muito quente na rua, daqueles dias que não se pode pisar fora de casa sem sentir uma preguiça morna que arde a testa e contrai as pálpebras. Decidi tomar um banho bem gelado. Botei vestido – porque nesses dias, não dá nem pra imaginar estar de calça –, e então fui com minha mãe almoçar em um restaurante perto. Até comentei o quanto achava arriscado andar de vestido em Osório, já que tem muito vento, e eu, descuidada, acabava por mostrar minhas perninhas e bordas de calcinha por aí. Na volta pra casa, o calor continuou molhando meu corpo e secando meu cérebro.
Sentei no sofá, e tomando café , arpejei algumas músicas no violão. Até que a mãe se despediu, dizendo que estava na hora de ir pro trabalho, e que eu ficasse bem.
Consumidos - pelo relógio ao modelo rodoviária que está na lareira – ao menos dez minutos, o celular toca, e num desespero, a mãe pede para que eu recolha i-m-e-d-i- a-t-a-m-e-n-t- e a roupa que secava na rua, porque chegava um ciclone em Osório. Ao desligar, atirei o celular em qualquer lugar, chequei se a gata estava bem, e me encaminhei apressadamente para a parte de trás do terreno. Recolhi as roupas, e as despejei em uma poltrona da sala. Resolvi conferir a peça de trás. Já no lado de fora, um lúcido caminhozinho de perfeitos quadrados de alguma pedra cinza cortava o gramado ligando casa e peça. Dirigi-me então, para lá (portas e janelas de vidro. Dentro, churrasqueira, mesa, cadeiras e fogão). As portas estavam fechadas e tremiam como se fossem regurgitar uma enorme e pegajosa bola de pêlo. Continuei assistindo, até que pesadas e velozes gotas de chuva começaram a esfaquear-me em todas as direções. Quando já me voltava para o interior da casa, vi uma cena monstruosamente inesperada: aquelas portas de trás abriram-se furiosamente com o vento ainda mais furioso. Sim, elas estavam trancadas à chave. Havia um incrível mecanismo em que uma barrinha de ferro entrava no chão trancando-a, e na parte de cima, outra entrava no teto. Mas elas estavam trancadas apenas na maçaneta. Corri para tentar fechar aquelas desgraças, e a ventania me carregava para todos os lados.

Enquanto eu puxava uma porta para tentar fechar o milagroso pino de baixo, a outra vinha com força contra minhas costas, ou contra a parede, fazendo um estrondoso barulho. Pensei que a porta poderia quebrar-se a qualquer momento se eu não conseguisse cumprir minha desesperada tarefa. Eu apanhava de portas, ventos e chuva. E então recordei de um filme em preto e branco que se passa na noite da revolta estudantil de 1968 em Paris, onde grande parte dos estudantes vira carros de lado, para abrigar-se das tropas militares, e de lá, só conseguem enxergar fumaça de bombas e a imensa escuridão noturna. Provavelmente eu tenha lembrado isso quando percebi que meus óculos estavam embaçados e cobertos de gotas d’água.
Tendo em mente que as portas tinham sido estupradas pelo mau-tempo, rodar a chave somente na maçaneta não adiantaria. Então me agachei, na tentativa de fechar os pinos de baixo. A tempestade continuava irritadíssima. Meu vestido levantava bruscamente. Novamente, fui assediada por pensamentos inoportunos. Dessa vez, me vi cantando Gloria Gaynor no meio da chuva e da ventania. Obviamente, imaginava o glamoroso single “I Will survive” em meio a luzes coloridas, fumaças, lantejoulas e plumas rosas. Tudo voava na direção que o vento quisesse (provavelmente um vento daquele dirigir-se-ia para algum lugar semelhante ao inferno).

As bordas, costuras e tecidos, da minha calcinha já estavam completamente à mostra, e os cabelos me chicoteavam o rosto. E aquele vidro me derrubando com força. E o pino não funcionando. E a ventania, e o céu negro, e o uma tampa de qualquer coisa voando – devia ser da vizinha, coitada. Mas de qual delas? E que tampinha tenebrosa, o que será que permite ser tampado com isso? – e a chuva forte e gorda. Meus pés num chinelo escorregadio. Uma tormenta. O dia certamente estava insatisfeito com alguma coisa.

Litoral gaúcho hoje à tarde:

Chuva torrencial acompanhada de ventos fortíssimos (estima-se que chegaram a cerca de 140km/h).

Preciso dizer que uma das ruas principais de Osório se enfeitou para o natal essa semana, distribuindo nos postes de luz grandes anjos dourados, com fios luminosos entre os braços, com as cabeças baixas, e logo acima, suas auréolas placidamente instaladas sobre fios amarelos-ouro. E preciso acrescentar, que dois desses anjos caíram na tempestade.Um deles destruiu um carro.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Imprecisões exatas

E começo a acreditar em alguma coisa que ainda não consigo definir o que é, se pudesse senti-la, seria macia e densa, como uma esponja espumando bolhas-brancas-pesadas. Uma vontade que agoniza (mesmo sem saber por que agoniza, e por que é vontade).Seria a esperança de desejar? Talvez uma ilusão incapaz de enganar-se... (Quanta incompletude!)

Olhei para uma tríade capaz de formar um Si: estava feito o acorde completo e composto por três notas logicamente manejadas. Não eram apenas notas. Uma vez juntadas e norteadas por um tom, tornavam-se perfeitamente e incontestavelmente um acorde.

Impreciso são meus olhos e são meus cegos engasgos. Imprecisas são minhas percepções. Tão grudadas em desejos e incertezas , que talvez sejam um pouco de cada.

(Não faço ideia do que realmente espero, mas noto que espero...e.es.esp.espe.esper.espero)

Hoje um pássaro pousava convicto em um arbusto. Não ficou ali por mais de três segundos. Freneticamente olhou tudo ao seu redor - e já impulsionando o arbusto para baixo -, cantarolou qualquer canção. As notas de sua melodia expandiram e perderam-se no ar enquanto ele (por consequência do êxito no impulso aplicado) ganhava altura e velocidade. Naqueles instantes, o arbusto, a cantoria e o até mesmo o ar fora seu. Um momento denso e macio agonizou freneticamente com o seu vôo.
Ele não soubera o motivo pr’um impulso -, nem tampouco o que aguardara por menos de três segundos -, mas conquistara com esse movimento um acorde perfeito.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Feixe de luz

A piscina era enorme, e meus pés se aproximavam dela.
De noite a água é mais convidativa.
No morno da madrugada, mergulhei no escuro. Meus pés envolviam-se em densas massas de água em movimento. Eu não me importei com a ardência da água, ofereci meus olhos à piscina, mas a obscuridade predominava. Eu seguia nadando, meus cabelos bailarinos arrastavam-se numa valsa compassada enquanto meu nado percorria o espaço, a procura de. Num instante de lume, em uma pequena área, a luz penetrava a superfície e chegava ao fundo, mas não com muita eficácia. Vendo isso, procurei me movimentar na direção daquela luz, com o fim de. Mas meus braços se chacoalhavam e minhas pernas esperneavam bruscamente, e eu não ganhava movimento. A partir disso, resolvi conferir que diabos acontecia. Foi quando notei: meu corpo se encontrava boiando, meus pulmões estavam sem ar e meu rosto devia estar provavelmente roxo. Odiava esses momentos, em que algo interessante pousava perto, entretanto algum inconveniente vindo de mim mesmo, impedia-me de chegar ao meu objetivo. Emergi para o ar fresco da noite quando cedi aos infortúnios do sistema respiratório, tirando humildemente a cabeça da água. Respirei fundo três vezes – diziam que três era um bom número -, tratei de guardar ar, prendê-lo, e mergulhar novamente. A luz ainda estava lá: plácida e paciente. Ela percorria na diagonal, e linearmente perdia sua expressão. Era alaranjada e me parecia ainda mais convidativa do que a própria piscina, em meus devaneios noturnos. Nadei até lá, tentei tocá-la e ela me iluminou, um brilho singular se fez em minhas mãos. Eu estava no meio da piscina, na metade da profundidade que ela oferecia. Num repente resolvi descer à máxima profundidade, sentar-me ao fundo e contemplar aquele fenômeno. De baixo, só havia esse feixe iluminado. Não era como mergulhar de dia e encontrar milhões de linhas de luz movimentando-se e contorcendo-se. Voltei à minha tarefa, e finalmente sentei no chão ladrilhado. Era mais frio e ainda mais escuro lá embaixo. E era o máximo que eu poderia me aventurar, ali acabavam minhas possibilidades, e a luz já não me alcançava perfeitamente, apenas podia ver através dela algumas micro-partículas passearem.
Já me levantando do chão, com a respiração comprometida, soltei algumas bolhas de ar e fiquei olhando. No que a última bolha explodiu, misteriosamente a luz apagou. Meu deus, a luz apagou, meu surpreso e único interesse naquela noite havia desaparecido! Sem palavras, e já sem fôlego nadei até a superfície, meu coração batia forte, minha respiração intensa e cansada se recuperava. Olhei pra todos os lados, não vi ninguém, nem algum vestígio de luz. Concluí que deveria sair daquele lugar, trocar de roupa e me conduzir para.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

the sea of love

Nesse tempo, não consegui parar de sangrar, e meus olhos estão vermelhos, e meu coração transparente. Te abracei calmamente, sem pressa, com afeto, com intensidade, e agora que maré é essa que nos afasta, sem que quiséssemos? Tá tão gelado sem ti, em outros, não encontro teus mornos carinhos, nem teus quentes braços. Fecho os olhos e tateio tua presença, na escuridão do desejo. “nem sempre se vê lágrimas no escuro”. E quando abro, te enxergo por toda parte, as árvores tomam tua forma, as vozes, teu timbre, as cabeças, teus cabelos. E ontem que fui te visitar, soube que temos muito tempo distantes ainda, e isso nos dói. Meu amor, antes tão potente, agora não tem força pra te buscar. Teu amor carinhoso, tão verdadeiro, não mais encontra mãos pra acariciar. Estão me queimando por dentro, estão me esvaziando, estão me entupindo, estão me tirando o que com tanto esmero amamos.... Escrevo esses versos tão imprecisos, tão cheios de sentimentos, que nem me preocupo arrumá-los, não consigo arrumar meus sentimentos, tudo foi tão inesperado, vou tentar me refugiar em outras coisas enquanto te espero, talvez seja melhor que eu supere, mas não sei se consigo. Meu bem, nosso distanciamento forçado está me forçando a parir sentimentos que não gestei...Tu me chamaste para ir contigo para “the sea of Love”, e eu fui, e eu mergulhei contigo, fomos tão fundo, vimos coisas tão assustadoramente belas, nadamos levemente, aproveitamos, ficaríamos por muito tempo por lá

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

involuntário

Esse nó, que alguns dias decide por apertar-se, apertando-me

sábado, 29 de agosto de 2009


We don't even care, as restless as we are
We feel the pull in the land of a thousand guilts
And poured cement, lamented and assured
To the lights and towns below
Faster than the speed of sound
Faster than we thought we'd go, beneath the sound of hope
Justine never knew the rules
Hung down with the freaks and the ghouls
No apologies ever need be made
I know you better than you fake it, to see
The street heats the urgency of now
As you can see there's no one around
( 1979 - Smashing Pumpkins )

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

reduzid.

Escutando tanto cazuza, tocando tanto pink floyd, ensaiando tanto nirvana, apreciando tanto chico, comendo tanta bolacha com mil condimentos, fumando tanto marlboro light sem companhia, falando igual travesti com qualquer um, discutindo economia sozinha, reclamando da breguice da tevê, querendo transcender tanto, esperando tanto (de coisas tão pequenas), relembrando pouco de momentos tão grandiosos, relendo tantos contos e poesias, mas.Tudo reduzido, sem essa amizade compassada, que deixamos nossas almas abraçarem

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Denovo, eu vou é ouvindo um rock,
Lendo ZH e Caio.
Admirando a feiúra dos dias,
E esperando a minha garota mais inventada

Recebo uma mensagem, ela virá
Dou umas voltas, me perco por suas pernas,
Me encontro na fumaça, e desapareço nela

Um pouco daquele veneno, não é o que eu quero,
Dá-me tua boca, nesse dia tão aburrido

Mas não me deixes, com sangue no corpo
Cravando mentiras, mordendo ilusões

Comendo picles eu vejo tevê
Pensei: Deitei-me com Morrison, levantei parecendo-me o Morrissey
Mas nessa vida eu vou ouvindo um blues e lendo os russos

Te perco em meus braços, encontro-te depois do pescoço
Fecho as janelas
Sinto teus lábios, queimando os meus
Ouço um rock, esqueço a dor , mas, mordo afetos, cravo incertezas, e sangro também

domingo, 16 de agosto de 2009

Na ilha por vezes habitada (José Saramago)

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entraem nós uma grande serenidade,
e dizem-se aspalavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, avontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres,
com a paz e o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda domundo infatigável,
porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

suprimido

As nuvens cobrindo completamente o céu, todo esse frio, que nem sinto mais, algumas coisas dentro de mim estão ainda mais frias, enquanto isso, desfaço caixas, planejo quadros, faço amigos. Meus cafés já não têm mais sabor. Com açúcar, sem açúcar. O discurso não ta pronto, minhas palavras não estão definitivas, meus sentimentos não estão resolvidos, não se despeça. Abaixa essa mão abanando. Meus abraços não foram suficientes pra te dizer tudo que eu queria, talvez eu nem saiba o que quero te falar, mas tenho a sensação de pendências, como se cortassem o tal fio, assim, abruptamente.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Xícaras vazias, mentes abertas, cigarros queimando, risadas na língua, abraços demorados
Na janela, ficava eu, a procurá-las; Todas pareciam vocês; Vocês pareciam nós
Mentes vazias, risadas abertas, abraços queimando, cigarros demorados, xícaras na língua

amigos, vinhos, fumaças, risadas

sinto falta da minha alegre decadência

sábado, 20 de junho de 2009

alguns ventos

Estirei-me por mais um tempo ao teu redor,
Senti carinho por perto
Tirei alguns nós da corda
Venho procurando estender esse cordão [ que a tempo estou a enredar
Quem sabe assim, percebo-me capaz novamente de dar passos largos
Esse silêncio, aquela ânsia, a outra angústia
Tá tudo decantando e achando seu lugar
Não é fácil perceber-me sem gente querida, [meus amigos, de fato
Sem a cidade tão conhecida e perambulada

Pra transformar essas faltas em comprometimento,
vai doer, vai moer, vou remoer-me , e então estirar-me novamente por perto de ti
E tudo vai fazer sentido,
algo no meu coração vai palpitar, vai arder,vai comover

Nossos planos talvez nunca serão como o esperado, é verdade.
Alguns anos atrás, tudo isso pareceria delírio
A vida nos leva pra lugares inimagináveis.

Alguma coisa ta fazendo tudo voar, algum vento ta levando coisas grandes, alguma lágrima escorreu, entretanto, alguns olhares não se perderam. Tudo de excesso se foi, e o mais importante não se mudou, ou não encontrou motivos pra mudar-se